Costurando bonecas e sonhos: Vó Adirce e a dedicação em fazer crianças mais felizes

Costurando bonecas e sonhos: Vó Adirce e a dedicação em fazer crianças mais felizes Imagem por Jornal Zona Norte e Texto por Jornal Zona Norte
  • 11/10/2019 às 12:10
  • Atualizado 12/09/2022 às 12:10
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Muitas pessoas se perguntam “onde nasce a felicidade?” Talvez, para alguns pequenos a resposta seja simples: no fundo da casa da avó Adirce. Em um quarto de costura, com pouco mais de três metros quadrados, Adirce Bellinassi, de 75 anos, compartilha com as máquinas o trabalho de costurar bonecas e os sonhos de tantas crianças. Depois de lecionar por 30 anos, se dividir entre a casa, o trabalho, criar duas filhas e cuidar de três netas, a ex-professora precisou superar um novo desafio, uma depressão profunda. Foi produzindo bonecas de pano para quem mais precisa de carinho, que ela encontrou uma nova forma de encarar a vida e ser feliz.

Acompanhada da filha, Renata Passos, e a neta, Luana Bellinassi, a costureira trabalhava e contava sua história de superação. “Eu sempre gostei muito de criança, eu li em uma revista que a bonecas curam. Então eu comecei a fazer as bonecas de pano para o GPACI. Ajudou muito na minha depressão, antes eu nem andava,” confirmou a professora olhando em direção a filha, e após uma pausa continuou, “eu acho que as bonecas ajudaram mais a mim, do que as crianças,” assegura com a voz firme, Vó Adirce, enquanto vestia uma das últimas peças recém finalizada, que em breve vai estar nos braços de outra pessoa.

A filha mais velha, Renata Passos, relembra o momento em que a mãe encontrou na costura uma forma de superar as próprias dores emocionais. “Ela teve depressão, nós levamos em um monte de psiquiatras, até que nós levamos em uma médica que acertou e disse que ela precisava ter alguma atividade. Dessa atividade ela começou a fazer bonecas para dar de presente de natal para uma instituição,” explicou.

Criando os brinquedos há cinco anos, a professora aposentada já soma mais de 300 bonecas doadas para instituições como o Grupo de Pesquisa e Assistência ao Câncer Infantil de Sorocaba (GPACI), Associação Crianças de Belém, Associação Educacional Beneficente Refúgio o Conjunto Hospitalar de Sorocaba. Para o trabalho meticuloso de criação são necessárias outras mãos amigas, como a da fisioterapeuta, responsável por dar formato as mãozinhas; a da tia de Adirce, que borda peças como sapatinhos, gorros, camisas; além do esposo, Wilson Bellinassi, que ajuda costurar e a preencher as bonecas. Cada unidade leva aproximadamente dois dias para ser costurada. Todas as partes do corpo são produzidas separadas e depois montadas. “Eu coloco os botões e os dois bracinhos, aí vou passando de um lado pro outro com a agulha. Dou umas três voltas para fixar bem, depois mais uns laços para finalizar,” ensinou o companheiro de vida e costura. 

Brinquedo de todo mundo

E se engana quem ainda acredita que só meninas podem brincar com as bonecas. A professora mencionou que nas entidades em que realiza as doações, todas as crianças se interessam pelas pessoinhas de pano. “São 12 meninas e 10 meninos. Lá eles me disseram para fazer uns menininhos também. Esse eu acabei de fazer essa peça para ele,” relatou a vovó, enquanto mostrava o boneco articulado, com uma camisa de manga três quartos, cheia de detalhes.

Para conseguir atender a todas as demandas, a costureira tem uma rotina bastante puxada na produção dos brinquedos. “Eu levanto 5h30. Quando são 10h eu vou arrumo almoço, depois limpo a cozinha, dou uma ‘descansadinha’ e volto aqui. Nisso vou até as 17h. Às vezes, eu levanto da cama e venho para cá. Eu fico imaginando, pensando ‘ai que vontade de fazer uma boneca de um jeito ou de outro.” E na pequena fábrica de sonhos não há espaço para clones, as peças são únicas e criadas direto da imaginação da vovó. “Já me sugeriram fazer todas iguais, mas não dá. Uma que eu vou enjoar, outra que o meu prazer é ver que bolei, eu mesmo criei e achei bonita. Seria mais fácil, mas assim não tem graça,” assegurou. Para se inspirar, a aposentada conta que utiliza o aplicativo Pinterest no celular. “Eu me inspiro e faço igual, se errar eu desmonto e faço de novo,” declara.   

Carequinhas

O amor da vovó Adirce já viajou e chegou longe, de Sorocaba para outras cidades do interior, para a capital e até para os Estados Unidos. Acompanhando a vó que costurava e listava as cidades com exemplares, Luana relembrou de algumas unidades que ela mesmo entregou. “Eu levei quatro exemplares para a ONG Retorno, numa área de vulnerabilidade social, que enfrenta problemas com drogas no centro de São Paulo, foi por causa de uma campanha que a faculdade fez,” assegurou a estudante de medicina em direção a matriarca.

Aqui mesmo na cidade, quem também sempre recebe doações de bonecas são as crianças do GPACI. Tendo que lidar com as dificuldades do tratamento do câncer infantil, as bonecas da Vovó Adirce unem forças e potencializam a recuperação dos pequenos.

Evelyn Melissa de Araújo, psicóloga da unidade, lembra sobre o pedido feito a professora, sobre a possibilidade de criar bonecas carequinhas como as crianças. “Eu vi pela internet algumas ações de pessoas que tinham feito bonecas personalizadas para vários tipos de pacientes. Isso faz com que a crianças se identifique mais durante esse processo de tratamento. Ganhar uma boneca igual elas estão naquele momento é mais especial. A Vó Adirce já fazia umas lindas, cheias de detalhes, com cabelinhos, olhos, roupas e sapatinhos, então eu mostrei para ela e pedi. Ela aceitou de coração e achou uma ótima ideia,” ressalta a psicóloga. 

Poder de cura

Quem enfrenta o dia a dia de tratamentos dentro dos hospitais precisa utilizar mais do que os medicamentos convencionais. No caso dos pequenos, toda forma de cura é bem-vinda. Evelyn ensina sobre o poder das bonecas confeccionadas pela professora aposentada. “Eu acredito sim que a boneca e o brinquedo são curativos. Uma das coisas que nós usamos como análise para saber se a criança está saudável é se ela está brincando. Então receber uma boneca e brincar com ela faz muita diferença e cura uma alma machucada, principalmente em um momento de sofrimento emocional aquilo é significativo,” confirma a especialista, que também salienta que esses objetos importantes são levados para uma vida toda. “Eu vejo as mães comentando que os pacientes quando eles já estão fora de terapia eles deixam todos os presentes na cama, em prateleiras porque significou um momento muito importante da vida deles aqui no hospital. Eu acredito que um brinquedo e uma boneca tem o poder de curar feridas na alma,” finaliza.

Questionada sobre até quando deve continuar na produção dos brinquedos, Adirce dispara, “enquanto eu tiver forças.” Sorrindo ela continua, “eu não consigo me imaginar sem fazer essas bonecas. Só se, Deus me livre, eu tiver uma doença. Enquanto eu for lúcida e tiver disposição, assim eu vou indo, pretendo ir até eu morrer, fazendo bonecas.”

No auge de seus 75 anos e sem perspectiva de se aposentar, a avó segue costurando as bonecas, que vão além do papel de divertir, mas servem como um poderoso medicamento para essas crianças, trazendo em cada sorriso uma dose extra de alegria, o medicamento eficaz contra qualquer doença. Assim, a professora aposentada vai ensinando mais uma lição, mostrando que é mais fácil ser feliz quando se leva a felicidade para os outros.